quinta-feira, fevereiro 05, 2015

À espera de um ferrão

-->
 Os anos vão passando, mas há coisas que mudam pouco ou nada. Ontem, participei numa mesa-redonda sobre a divulgação da arqueologia subaquática para lá do circuito tradicional entre pares. Éramos dez pessoas numa sala gelada, e a discussão foi curiosa, embora expressa nos termos habituais: a necessidade de educar o público; a necessidade de formatar os media; a importância de explorar canais alternativos na transmissão de informação à sociedade civil; os perigos da intermediação por leigos da informação científica. Não descobrimos a pólvora ontem – parece-me claro. O tema tem sido debatido há vinte anos com poucas nuances.
Não vos maçar com o que disse. Essencialmente, defendi que, do ponto de vista dos meios de comunicação tradicionais, estamos na fase de descida vertiginosa na montanha-russa do interesse jornalístico pelo tema. Publica-se pouco sobre arqueologia, apesar de o interesse da audiência por estas questões permanecer vivo. Os temas de Arqueologia seleccionados para a capa da National Geographic continuam cotados entre as escolhas mais populares dos leitores. Tanto quanto consigo extrair conclusões, acredito que a explosão mediática do tema nas notícias durante a década de 1990 acompanhou a institucionalização da arqueologia no seio da Cultura, com a criação de um Instituto Português da Arqueologia (IPA) dinâmico, com músculo, com gente boa e agressiva.
Os media reagem aos estímulos. O Ambiente institucionalizou-se enquanto tema jornalístico em relação directa com a sua institucionalização na agenda política, sobretudo a partir do momento em que foi consolidado um Ministério do Ambiente. Na Cultura, embora a competição seja maior e ainda persista o estigma da Alta Cultura e da Baixa Cultura, a questão não me parece muito diferente. Durante seis ou sete anos, o IPA produziu esse estímulo, agitando águas, organizando campanhas científicas, publicando com regularidade. E os meios de comunicação expressaram esse entusiasmo, multiplicando secções temáticas nos jornais, produzindo notícias e reportagens; sem IPA, desapareceu o ferrão da abelha que nos punha (arqueólogos e jornalistas) a mexer.
O ponto alto da sessão, porém, foi a intervenção do professor Carlos Fabião, arqueólogo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e velho amigo (já lá vão 14 anos) da casa amarela. Depois de identificar várias oportunidades perdidas de valorização in situ de contextos arqueológicos no coração da cidade de Lisboa – com o cais da Praça Dom Luís à cabeça – propôs uma leitura de «Portugal, Hoje. O Medo de Existir» de José Gil aplicada à arqueologia. «Na arqueologia, constato de facto a não inscrição de que fala o José Gil», disse. «Uma ocorrência tem lugar, suscita declarações e tomadas de posição vigorosas, mas, passado um tempo, parece que não aconteceu. Parece que não se inscreveu na história. E se não se inscreveu, não há responsáveis e continuamos como se nada tivesse acontecido.» De certa forma, é como a proverbial pedra lançada para o lago: provoca ondulação temporária, mas, minutos depois, o espelho de água permanece exactamente igual e a pedra descansa no fundo.
Haverá ferrão que nos pique colectivamente e que modifique este medo de existir? Disse-se na sala, com algum humor, que se calhar está na hora de concentrar todos os esforços nas acções educativas da população infanto-juvenil e desistir dos adultos.
Esses já estão perdidos!

Sem comentários: