quarta-feira, setembro 18, 2013

O insulto principal


«Os economistas são talvez imprescindíveis. Cabe-lhes manusear as matérias mais porcas que as sociedades imemorialmente geram: o dinheiro e a usura. Aflige-me é que possam, com as mãos sujas dos dejectos do corpo social, aproximar-se da alma e do espírito das sociedades e contaminá-las com a sua ciência e a sua linguagem de escravos. (…) Têm certamente lugar; intolerável é que lhes permitamos que usurpem o lugar dos poetas e dos guerreiros e que os ostentem por aí, sem escândalo, nos discursos e na lapela.», Manuel António Pina, jornalista, escritor e poeta, “Jornal de Notícias", 29/01/1992

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou ontem um relatório de reavaliação dos programas de resposta à crise financeira de 2008-09 (aqui), com inevitáveis consequências para a análise das medidas impostas desde o resgate de Abril de 2011 à República Portuguesa. Trata-se de um relatório invulgarmente franco, que reconhece limites à abordagem implantada em países como Portugal e a Grécia, suportada numa rápida reconfiguração orçamental nos primeiros meses do resgate (i), na aposta evidente na consolidação orçamental pelo lado da despesa (ii), na compra de dívida pública pelos bancos centrais (iii) e na famosa busca quimérica da recuperação da confiança como motor da recuperação (iv). Não entrarei nos detalhes do relatório, nem no debate sobre a oportunidade da sua publicação na véspera de nova "visita" dos controleiros internacionais – para esse debate, há seguramente fóruns mais apropriados na Internet.
Interessa-me, ao invés, sublinhar esta cultura, muito americana, de reconhecimento público do erro e de admissão inequívoca das responsabilidades. Dir-me-ão que é a hipocrisia suprema, face aos estragos já provocados – será. Mas, olhando para o nosso quintal pantanoso, feito de casos de polícia, de irresponsabilidade moral e de incompetência cavalar, admitamos alguma inveja.
Por cá, se a impunidade que resulta da gestão danosa ou incompetente é insultuosa, a incapacidade generalizada para esboçar um pedido público de desculpa ou assumir um grão de responsabilidade pelo gigantesco descarrilamento da economia é porventura o insulto mais vexatório. José Diogo Quintela brincou há alguns anos com esta atitude tão portuguesa de assobiar para o lado enquanto se procuram responsáveis, dizendo que este é o país onde a culpa é sempre “um bocadinho de todos, todos temos um pedacinho de culpa”.
Ora, quando todos têm culpa, a culpa não é de ninguém. Ninguém falseou contas. Ninguém burlou o Estado. Ninguém falhou auditorias. Ninguém assinou de cruz contratos irresponsáveis de financiamento. 
Ninguém.

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