quinta-feira, janeiro 17, 2013

A visão de Quino


No mundo laboral satírico do argentino Quino, há três tipos de trabalhadores/funcionários: os potentes, os prepotentes e os impotentes. Dos primeiros, pouco há a dizer. Formatam o mercado de trabalho e a legislação à medida das necessidades ou vontades de momento. Não perdem tempo a pregar doutrina pela cadeia laboral abaixo e raramente estão em contacto com aqueles que sentem os impactes das suas medidas. Vivem numa redoma, dentro de um círculo de giz como o de Brecht. Quino retrata-os frequentemente como nesta caricatura – de tal maneira poderosos que extravasam os limites da vinheta e deles vemos apenas fragmentos. As avenidas que frequentam não são perturbadas pela miséria que provocam. Essa é-lhes poupada, permitindo-lhes construir uma realidade artificial de luxo e privilégio que começam a tomar por generalizada.
No fundo da cadeia, estão os impotentes. Empurrados, pressionados, frequententamente representados sob o peso de um rolo compressor que os esmaga sem piedade, sem sequer lhes explicar as causas da tempestade que os afasta do cais e que lhe vai moldar o resto da vida. São impotentes perante a lei, impotentes perante a empresa, impotentes perante o governo, impotentes perante as forças da lei, que os deveriam defender, mas que os oprimem. É raro que Quino os represente em qualquer fase de tomada de consciência que signifique combate. Na sua perspectiva, os impotentes resignam-se, aceitam o seu destino, tristes, carecas, com as mãos envergonhadas sobre o colo, submissos como os servos da gleba.
A atenção e raiva do autor argentino são direccionadas para o meio da cadeia, onde se encontram os prepotentes. É deles o poder de transformar o mundo, encaixados entre os tiranetes do poder e a arraia miúda, mas Quino vê neles o pior da condição humana. Não têm verdadeiro poder, excepto para pôr em prática a doutrina de cima. São implacáveis com os fracos e submissos com os fortes. Tiram com facilidade o casaco para que os potentes o pisem e não tenham de se sujar na imundície reinante, mas, quando dispõem de oportunidade, direccionam a frustração para quem está imediatamente abaixo na cadeia de produção, vingando a humilhação com humilhação.
Quino constrói o mundo laboral como uma correia de distribuição, repleta de etapas intermédias que permitem ao potente decisor nunca encontrar o impotente afectado pela suas decisões. Nunca suja as mãos; nunca lida com a miséria que provoca. E fica genuinamente surpreendido quando pressente que, à sua volta, na vida real, a sua visão do mundo não é partilhada.

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