sábado, outubro 06, 2012

Elogio entusiasmado do Lisbon Story Centre


(fotografia indecentemente pirateada daqui. Notem, aliás, que a autora do blogue não partilha o meu entusiasmo, apresentando para tal argumentos válidos)

Começo da forma mais pedante possível: não envergonha. Pelo contrário. É superior à maior parte dos centros interpretativos que conheço nas cidades europeias. É melhor do que o Museu da Cidade de Barcelona e é mais divertido do que a Dublinia, na capital irlandesa. É até mais complexo do que o Museu da Cidade de Amesterdão, que se foca na cultura e não na história, para contar a narrativa da cidade onde se integra.
Em última instância, qual a expectativa de uma organização de turismo (no caso, a Associação de Turismo de Lisboa) face ao visitante que acorre uma vez à cidade? Lamento contrariar muitos dos directores de museus e outras instituições culturais que conheço em Lisboa, Coimbra e Sintra: não é dar-lhes uma lição de história exaustiva, tornando-os especialistas no tema em causa, mesmo que não seja essa a sua vontade. Em muitos museus, mantém-se uma expectativa desmesurada relativamente ao investimento de tempo e concentração que o visitante fará no equipamento em causa.
Sejamos honestos: o visitante comum leva na memória três ou quatro pinceladas sobre a cidade que visita, pinceladas essas que, ao fim de poucas semanas, se esbatem na mente, confundindo-se com outras experiências. De Lisboa, guarda-se sem esforço a luz natural, sempre presente, mesmo nos dias mais sombrios; a gastronomia, que encanta e é barata; o património arquitectónico (indiscriminado) ao longo do eixo ribeirinho; e, com sorte, talvez o visitante leve também uma ou duas ideias difusas sobre o papel da cidade na história do mundo, dependendo das portas onde tiver batido, da informação que tiver consumido e do acaso o poder ter levado aos sítios fundamentais.
É nesse capítulo que o Lisbon Story Centre tem uma função a cumprir.
É verdade: custou três milhões de euros e um milhão foi aplicado em tecnologias de informação, via YDreams. Já conheço a réplica que se segue: é muito dinheiro quando não há verbas para os outros museus e sobretudo quando o visitante não vê “objectos reais”, nem toca em artefactos com história. Pergunto: será isso decisivo? Os museus com espólio continuam a existir, a começar pelo tristonho Museu da Cidade, no Campo Grande, e terminando no  exuberante Museu do Oriente, a caminho do Cais do Sodré. Cabe-lhes vender essa experiência. Não creio, na verdade, que o Lisbon Story Centre concorra com eles.
A visita é totalmente conduzida por um audioguia em dez línguas e uma versão infantil. São 18 pontos de paragem, nos quais um guião impecavelmente redigido, com momentos cómicos e consultoria científica (quase) inatacável de José Sarmento Matos, nos levam da Lisboa fenícia a 1974. Animações estupendas e boas recriações de cenas históricas ajudam a passar de etapa a etapa, embora, na sala do terramoto, a expectativa saia um pouco defraudada, face por exemplo ao que o Museu da Ciência de Londres oferece no capítulo da experiência sísmica (foi o último momento de pedantismo, prometo).
O tempo passa a correr. Quando a visita desemboca na loja, passaram 60 minutos agradáveis e bem documentados, onde a pequena história, das curiosidades e dos factos pitorescos foi apresentada lado a lado com a história dos acontecimentos e das personalidades inevitáveis. E, surpresa das surpresas, é das curiosidades e “factóides” que o visitante se lembra no final.
Cumprindo o desígnio inicial (lembram-se?), o visitante vai para casa a pensar num rei que viveu os vinte anos que lhe restavam numa barraca-tenda, num marquês experimentalista que mandou um regimento de infantaria caminhar nas gaiolas pombalinas para testar a sua flexibilidade, num corvo que se tornou símbolo da cidade, e num santo António que destronou no afecto local o original São Vicente.
É pouco? É muito? Ninguém priva o visitante de contactar com os museus e monumentos “reais”. Ali, bem perto, o Portal de Nossa Senhora da Conceição recorda-nos do património irrepetível da cidade; subindo a colina, o Museu de Farmácia, o Museu do Design ou o Museu Arqueológico do Carmo cumprem admiravelmente a sua função, sem serem beliscados pelo novo centro.
É verdade que há defeitos: nove euros por bilhete parecem significar que a massa primordial dos 300 mil visitantes/ano que a cidade espera não serão portugueses. A ausência de colaboração e articulação com a EGEAC e com o Museu da Cidade antecipam uma relação conturbada entre espaços culturais sob a mesma tutela, que poderiam cooperar muito melhor. A Lisboa romana e a Lisboa árabes são negligenciadas quase por completo pelo guião em prol de uma Lisboa fenícia mais romantizada do que real. Por fim, a dependência total de consolas e ecrãs deixa-me igualmente de pé atrás, sobretudo depois de ter acompanhado de perto a origem e colapso do Carsoscópio de Alcanena (entretanto reabilitado), também ele dependente das tecnologias de informação. Daqui a um ano, esgotado o valor orçamentado para a concepção do espaço, quantos equipamentos estarão ainda operacionais?
Termino por onde comecei. É um novo motivo de orgulho no renovado Terreiro do Paço. Não substitui a leitura das 600 páginas do “Livro de Lisboa”, nem o tacto demorado das colunas do Museu do Teatro Romano. Julgo que ninguém no seu devido juízo pretendia que isso sucedesse, embora não fosse descabido deixar pistas à saída para o visitante que pretenda continuar a sua peregrinação cultural por outros museus. Mesmo assim, o Story Centre produz uma experiência de que o turista em Lisboa não dispunha até agora.
Concordando ou não concordando, experimentem visitá-lo. Só não vale dizer mal sem lá ter ido.

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