quinta-feira, maio 12, 2005

Uma Sucursal do Grémio




Nos tempos que correm, cada vez mais, o parlamento é uma sucursal do grémio. - Eça

Aparentemente, os últimos dias de governação parecem ser os mais animados e divertidos. Solto da pressão eleitoral, liberto dos patetas das distritais e livre dos camafeus da imprensa, o ministro pode por fim dedicar-se ao que mais importa: o «day after». Caramba! Ser ministro é muito bonito e permite-nos apregoar patetices em «cocktails» («Quer o Fontes Pereira de Melo, quer eu, batemo-nos contra a centralização do Terreiro do Paço»), mas não puxa carroças. Não, dizia, os últimos dias de governação reservam-se para as coisas verdadeiramente importantes. Pelo que a experiência recente nos ensina, é nos dias pós-eleições, enquanto se aguarda a chegada dos triunfadores da véspera, que um ministro pode por fim compensar as agruras. E deixar a sua marca indelével no ordenamento do território, corrigindo, rectificando, aumentando, diminuindo superfícies e classificações de protecção. Com um brilho nos olhos, o ministro talvez imagine os livros de história: «Esta foi a medida mais ousada do ciclo de governação, tomada por fulano tal, contra ventos e marés."
O raciocínio subjacente a este estranho afã governativo é o de que o comboio da nação não se detém por nada - muito menos pela chegada iminente de um novo elenco de governantes, provavelmente dotados da mesma sensibilidade para o Ambiente que Sousa Lara tinha para avaliar projectos culturais. Por isso, perante a chegada iminente dos bárbaros, o ministro pega na caneta e rectifica áreas protegidas, aceita excepções aos estatutos de protecção ou manda avançar as moto-serras. Em nome do imprescindível interesse público da operação, seja ela um Freeport em Alcochete, um projecto inenarrável em Mourão ou uma estância de golfe em Benavente.
Enquanto nos vários ministérios, os funcionários se entretinham a redigir os seus próprios louvores (quem melhor do que eu para me avaliar, sobretudo porque me conheço praticamente desde o início da minha vida?), Nobre Guedes, Telmo Correia e Costa Neves consideraram que o dia seguinte à eleição mais esmagadora da história do Partido Socialista era a altura ideal para desbloquear o projecto de Benavente. Faz todo o sentido, convenhamos.
Pergunta-se: terá um governo de gestão autoridade para tomar medidas de fundo, que revelem imprescindíveis interesses públicos, durante o período de transição entre elencos? Tem. Terá legitimidade? Custa-me a aceitar, mas admito que sim. Será esse o «timing» certo? Mil vezes não. Por um lado, porque é essa a fase política de "quarto escuro", onde ninugém vê nada, ninguém controla, ninguém vigia e, quando a luz se acende, alguém grita 'Fui Roubado'. Depois, porque para quem anda no terreno há anos a tentar fazer aprovar planos de ordenamento, revisões de planos de ordenamento e planos de pormenor, é especialmente frustrante ver que uma assinatura num diploma é suficiente para mandar cortar dois milhares de árvores que beneficiam do estatuto máximo de protecção em Portugal.
Admito que este processo judicial não provoque danos de maior (aliás, há meses que não se fala do processo do Freeport e muito menos da manchete do "Público" que implicava dirigentes socialistas num negócio dúbio em plena zona dunar de Vila Real de Santo António). Adivinho enormes dificuldades em fazer prova de que o salvo-conduto de Benavente foi autorizado pelos três ministérios a troco de X ou para ajudar Y. Por isso, e enquanto o parlamento se torna gradualmente a tal sucursal do grémio de que falava Eça, lá vamos, cantando e rindo. Assobiando mas com menos sombra. Vão faltando os sobreiros.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os 'conselheiros Acácios' ainda abundam na vida política nacional!
Abaixo com eles!!

http://www.queirosidades.blog.com