sábado, maio 21, 2005

Quioto, 2800 dias depois

Acabo de ler um artigo de Frédéric Durand, publicado no "Le Monde Diplomatique". Durand é um universitário de Toulouse, que se tem pronunciado regularmente sobre as alterações climáticas e tem avaliado o contributo intergovernamental para minimizar o previsível aquecimento global do planeta. O seu artigo "Sale Temps Sur le Climat" é porventura o mais amargo de todos os que li e representa um ataque claro aos signatários e não signatários do protocolo de Quioto.
Primeira premissa: perdeu-se tempo de mais a avaliar os riscos das alterações climáticas. Durand defende que, desde meados dos anos 1980, era previsível que caminhávamos para uma alteração sensível da temperatura média do globo, com as correspondentes consequências ao nível da subida da água do mar, da deterioração das zonas húmidas, da alteração de correntes marítimas e porventura de radicais modificações de clima global. O Grupo Intergovernamental para Evolução Climática demorou tempo de mais a divulgar conclusões e, pior, escondeu-se sempre sob o manto da probabilidade científica, evitando certezas incómodas e relegando para o futuro decisões urgentes.
Segunda premissa: o «lobby» dos combustíveis fósseis fez o seu trabalho com afinco e, em meados dos anos 1990 (e porventura ainda agora), era possível encontrar trabalhos científicos, alegando que o papel humano no aumento das emissões de gases com efeito de estufa não estava ainda provado e que o fenómeno poderia resultar de um aumento da actividade solar! A incerteza foi sempre uma arma. Não cabia demonstrar que estas duas teses eram verdadeiras, mas sim que o poderiam ser. Instalada a incerteza, não se poderiam tomar medidas globais.

Foi neste contexto controverso, diz Durand, que os países se juntaram em Quioto em 1997. Os Estados Unidos, responsáveis à data por 22% das emissões globais de CO2, propuseram a estabilização das emissões em 2012 tomando como parâmetro de comparação os níveis de 1990. Os países europeus propuseram uma redução global de 15% das emissões nos países industralizados, tendo 1990 como ano de referência.
Como sucede como frequência nas grandes conferências, o resultado ficou a meio caminho entre duas propostas: é público que o protocolo estabeleceu como premissa uma redução de 5,2% até 2012 tomando as emissões de 1990 como valor-base.
Durand argumenta que os europeus foram pouco ousados. Para um país como a França, com forte capacidade de desenvolvimento nuclear, o protocolo exigia apenas uma redução real de 1%, Para a média da União Europeia, a fasquia era também baixa: 5%. Em contrapartida, para os EUA, o protocolo exigia uma quebra real de 18% e 16% para o Japão. Foi certamente por isto que os EUA se recusaram a assinar o tratado.
Uma das questões que mais reservas me coloca em Quioto, desde o início, é o esquecimento compulsivo das economias emergentes nos países em vias de desenvolvimento. Era previsível em 1997 que a China, a Índia e mesmo o Brasil avançariam rapidamente no processo de industralização e as suas emissões deveriam ter sido, desde logo, limitadas. Não o foram. Beneficiaram de um salvo-conduto para imitar os erros industriais dos antecessores.
Optou-se além disso por um mecanismo confuso e dúbio de "um mercado dos direitos de poluição", uma solução tacanha e cuja eficácia ainda carece de prova.
Quioto é a melhor solução? Hoje, mais ainda do que em 1998, não parece. Desde 2001 que o Instituto de Avaliação das Estratégias para a Energia e o Ambiente na Europa (Inestene) tem levantado dúvidas contínuas sobre o tratado e as suas condições de sucesso. Mesmo que se cumprissem as exigências do protocolo, o Inestene considera que se conseguiria apenas baixar 0,06ºC dos 2ºC de aumento da temperatura média do globo previstos para 2050 de acordo com vários modelos climáticos apresentados. As contas são por isso simples, e Durand apresenta-as com clareza inquestionável: «Esses 0,06ºC correspondem apenas a 3% do esfroço a realizar para travar efectivamente o aquecimento global (...) O nosso modelo de dsenvolvimento corresponde potencialmente a um choque frontal com um muro a 100km/h. Com esse diagnóstico, o que fizemos em Quioto? Propusemos redzuir 3% da velocidade, para 97km/h, na esperança de que já seria suficiente para evitar danos! Não é»
E isto, repito, assumindo que as metas de Quioto vão ser cumpridas. Cá estaremos para ver.

1 comentário:

João Soares disse...

E os países são os únicos emitentes?
Shell- petróleo produzido: mais CO2 do que o Canadá, Brasil, França, Austrália, Espanha,etc.
Exxon Mobil- CO2 equivalente a 80% de toda a África....
Dá que pensar...Vamos continuando à procura de modelos, reformulando-os e avaliando os que se vão elaborando.
http://bioterra.blogspot.com