sábado, dezembro 18, 2004

Activismo e jornalismo

Há dias, um leitor comentou, a propósito da nota que escrevi sobre o equívoco do Ministério do Amiente de não se deslocar a Buenos Aires, que o jornalismo tendia cada vez mais para o activismo. Ou, por outras palavras, que o exercício do jornalismo era incompatível com a adesão a movimentos cívicos, partidos políticos ou correntes ideológicas.
Tenho sobre o tema uma opinião muito particular e estou relativamente livre de constrangimentos para dissecar a problemática. Não sou membro de nenhuma ONG associada ao Ambiente, não sou filiado em nenhum partido e não tenho participado recentemente em plataformas de defesa do Sabor, de ataque ao túnel do Marquês ou de contestação às centrais de co-incineração.
Juridicamente, a questão nem se coloca. Nenhum constrangimento profissional pode sobrepor-se ao exercício de cidadania, pelo que, antes de ser jornalista, um indivíduo é um cidadão que dispõe do direito livre à associação. Um direito que pode ser gozado sem reservas e que só pode ser condicionado pela consciência do próprio - não por imposição deontológica ou social.
Resta a esfera da deontologia. Será a objectividade jornalística compatível com a militância? Como se garante a imparcialidade nestas circunstâncias? A resposta a estas velhas questões encontra-se, a meu ver, na esfera individual, na percepção que cada um tem da profissão jornalística e das suas obrigações.
Frequentemente, os jornalistas de ronda (os beat reporters) assumem traços da área que cobrem com regularidade. É por isso normal que o jornalista que noticia a actividade criminosa adquira o jargão das suas fontes, os códigos de vestuário, os procedimentos metodológicos e até a sua própria forma de interpretação do mundo. O mesmo sucede com o jornalista que escreve sobre desporto ou com o repórter que se debruça sobre artes e espectáculos. O jornalista que se dedica diariamente à actividade do Parlamento partilha com as suas fontes a percepção de que a sua área deve ocupar o primeiro lugar na hierarquia temática do jornal. Paradoxalmente, o mesmo sucede com o repórter que se movimenta nos círculos económicos ou nas instâncias jurídicas. Criam-se campos opostos, dentro da própria estrutura do jornal, que reflectem as divisões da sociedade.
Todos estes jornalistas especializados são, por assim dizer, reflexos da área de actividade em que operam e das fontes com que contactam. O Ambiente não é naturalmente a execpção.
Julgo que podemos todos assumir que a maioria dos jornalistas que escolheram esta área de especialização defendem a prioridade da conservação da natureza, as soluções energéticas sustentáveis, a forte acção da sociedade civil nas discussões ambientais ou a concessão de maiores fatias do orçamento de Estado para o sector. Partilham assim muitas marcas ideológicas em comum com as forças que dominam o "lobby".
Naturalmente (e este é o verdadeiro equilíbrio instável), importa que a predisposição activista não tolde o julgamento, nem o razoável objectivo de equidistância colocado diariamente em prática sempre que lidamos com factos noticiosos.
No caso em questão, não creio, nem por um momento, que a minha leitura da ausência ministerial na conferência das Nações Unidas dedicada às alterações climáticas tenha sido moldada pela percepção ambientalista das ONG que comentaram o assunto. O ministro e/ou o secretário de Estado decidiram ficar em Lisboa agarrados a uma interpretação tacanha da noção de governo de gestão. Ficaram orgulhosamente sós. Foi pena...

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