quarta-feira, outubro 20, 2004

Maçadores por deformação

Já fazia falta e era estranhada em diversos sectores: o ano de 2004 estava a findar, e a peculiar Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) ainda não tinha proferido uma declaração absurda. Pois cá está ela e, desta vez, a sorte grande saiu ao Instituto da Conservação da Natureza.
Ora diz a ANMP que o recente decreto-lei que dá seis anos aos Planos Directores Municipais (seis anos, senhores, seis anos)para se adaptarem às exigências das directivas europeias e habitats não chegam e obrigarão os municípios, logo a ANMP, a pagar nova revisão dos PDM ainda agora revistos. A culpa, dizem os responsáveis autárquicos, é do Ministério do Ambiente (que não promoveu a legislação a tempo). Ao mesmo tempo, argumentam ainda os senhores autarcas, o ICN, com esta aborrecida mania de tudo proteger e classificar, só dá prejuízos às esclarecidas autarquias do nosso país.
Winston Churchill desabafou um dia que, se um democrata passasse cinco minutos regularmente com um eleitor de rua, perderia rapidamente o gosto pela defesa da democracia. Atrevo-me a dizer que se o estadista inglês tivesse convivido com a nossa ANMP teria sérias dúvidas sobre a necessidade de escutar este tipo de parceiros da sociedade civil.
A ANMP é, por definição, uma figura obscura, sem utilidade visível. O país não foi regionalizado e as juntas metropolitanas têm capacidade para gerir problemas transmunicipais. Por outro lado, a mera concepção do conjunto das nossas mais de 300 autarquias a remar para o mesmo lado provoca-me gargalhadas. Gaia e o Porto, Amadora e Sintra, Loures e Odivelas comungando dos mesmos interesses?
A ANMP é um fantasma, uma não-organização. E, pior do que isso, uma não-organização maçadora, que gosta de lançar a confusão. Adaptando Churchill, nunca tão poucos chatearam tantos no decurso da história!
Desmontemos a argumentação. Seis anos chegam e sobram para adaptar a legislação às exigências comunitárias. Parece pouco? Estas exigências fazem parte da "cartilha europeia" desde a nossa adesão. Simplesmente, a esmagadora maioria dos filiados da ANMP escolheu ignorá-las. O PDM já é desrespeitado de qualquer maneira, de norte a sul, de leste a oeste. Mais uns anos de irregularidade não provocarão estragos.
Mas a atoarda ao ICN traz água no bico. Como um abutre pairando sobre o moribundo, a ANMP cheirou o drama. Sabe que pode tirar dividendos do enfraquecimento das posições do ICN, minando-lhe a credibilidade (lá ouvimos outra vez o discurso dos "tontinhos da ecologia", que protegem mato seco e meia dúzia de aves que se calhar até gostam de conviver com estradas e prédios altos!). A isso, espero, o Ministério do Ambiente responderá com uma palavra de confiança sobre o papel do ICN. Deve-lhe pelo menos isso.

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