quinta-feira, outubro 28, 2004

Cortar a eito

Há um velho adágio político, tão válido hoje como há cem anos, quando foi enunciado. Reza assim: Nunca fales quando estás zangado; caso contrário, farás o melhor discurso de que alguma vez te arrependerás!
Ontem, no decurso da VIII Conferência Nacional de Ambiente, o ministro Luís Nobre Guedes tomou uma forte posição contra os lobbys instalados e estou em crer que, nos próximos anos, o feitiço voltar-se-á contra o feiticeiro. Nobre Guedes falou sem prudência. E isso costuma ser fatal.
Provavelmente, Nobre Guedes cuidou que estava apenas a falar para uma plateia selecta, de público predisposto a embarcar numa aventura dialéctica que impulsionasse o Ambiente para o topo da agenda. Erro. Todos os microfones devem ser tratados como um ser vivo, dizia o velho ministro Jim Hacker, na série "Yes, Minister". E este foi potencialmente devorador, pois gravou palavras que estão hoje estampadas nas páginas de todos os jornais nacionais.
E o que disse Nobre Guedes? Comprometeu-se a enfrentar interesses monumentais instalados, sugerindo que os adversários do Ambiente começam no Conselho do Ministro (!?) e estendem-se pelo tecido empresarial e autárquico. Lembrou que o seu ministério é o mais mal amado dentro do governo, o que, parece-me, evocou a recente discussão ministerial das opções energéticas do país: as propostas dos Ministérios da Ciência e Ensino Superior e das Actividades Económicas nem passaram pela tutela ambiental, embora implicassem terríveis impactes no ordenamento do território e nos ecossistemas onde fossem implantadas as soluções nucleares e/ou hidroeléctricas. Nobre Guedes foi ultrapassado na semana passado e explodiu agora.
O ministro disse mais: sugeriu que vai começar a demolir as urbanizações ilegalmente construídas dentro da esfera das áreas protegidas (faltou talvez explicar se vai dar o exemplo máximo e arrasar a sua própria casa, perto de Azeitão!). Anunciou que vai cair o "Carmo e a Trindade" e, pareceu-me (mas a declaração foi suficientemente dúbia para gerar equívocos), prometeu a defesa da inviolabilidade da REN e da RAN. Ofereceu-se ainda para servir de pedagogo ambiental, viajando de lés a lés pelo país, esclarecendo, animando e ajudando. Como diria Arnaldo Matos, educando.
As palavras são corajosas, mas não creio, por um instante, que sejam totalmente sinceras. Desafio o ministro a provar que daqui a um ano a revisão do estatuto do REN, promovida por Sidónio Pardal, não terá sido aprovada; desafio-o a mostrar, daqui a 12 meses, as casas terraplenadas no PN Arrábida e no PN Ria Formosa; desafio-o ainda a apresentar sucessivas propostas sustentáveis, mas politicamente difíceis, no seio do Conselho dos Ministros, demonstrando que ninguém cala o Ambiente e os seus promotores.
No final do colóquio, o ministro disse que teria sido mais prudente não abrir determinadas gavetas no ministério. Como as abriu e é um ministro que "detesta a tecnocracia" (sic), não as voltará a fechar sem ter resolvido cada pasta. Receio bem que, daqui por uns meses, o próprio Nobre Guedes estará fechado no tradicional gavetão reservado aos bem-intencionados, aos impetuosos e aos incontinentes verbais. Não seria o primeiro.

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